Em Tróia, de taco na mão (até no Inverno)
27.09.2011 Por Rita Pimenta
Afinal, o golfe não é só para meninos ricos. "Há o estigma de ser um desporto de elite e apenas para alguns, mas temos de desmistificar isso", diz Vasco Espírito Santo, professor do Tróia Golfe que ambiciona criar uma escola aberta a todos. Para já, tem dez alunos e um objectivo: pôr os miúdos a competir a nível nacional e a representar Tróia no escalão de Benjamins (seis a 12 anos). Mesmo no Inverno.
Virtudes do golfe: pratica-se ao ar livre, estimula a concentração e focagem num objectivo, promove a auto-estima e a competitividade, convida à socialização, educa para a autodisciplina. Um conjunto de potencialidades enumeradas por António Castelo, director do green de Tróia, e por Vasco Espírito Santo, ali professor da modalidade.
"Ter o taco na mão e uma bola à frente, bater a bola e vê-la voar e voar... Isso fascina os miúdos", diz ao PÚBLICO o professor do Tróia Golfe. Percebe-se que também ele continua fascinado. "É isto que cria o vício do golfe. Está provado que é um vício. Por ser diferente."
O profissional não tem dúvidas: "O golfe vai evoluir em Portugal e vai ter mais crianças a experimentar a modalidade. Cada vez mais os miúdos procuram o golfe, isso é visível e está estatisticamente comprovado." No entanto, sabe que "continua a haver uma corrente em Portugal que gosta de manter a ideia de que é um jogo só para alguns. Não pode ser. Tem de ser um jogo aberto, para toda a gente. Não se pode ter baldes de bolas a quatro euros, é caro. Porque não dois euros? Vendia-se mais, ganhavase mais"
Para cativar algumas crianças (e adultos), o Programa de Verão do Tróia Resort facultou em Julho e Agosto aulas gratuitas. "Nas manhãs de sexta-feira, no Jardim das Quadras, houve sempre 20 a 30 miúdos inscritos", conta Madalena Rodrigues, responsável pelo marketing do resort.
Durante a época alta, criaram aquilo a que chamaram "clínicas de golfe infantil" (designação cuja origem ninguém conseguiu explicar) para os primeiros contactos com a modalidade. Um dos participantes regulares foi Miguel Santos, de sete anos, que encontrámos de taco na mão, no campo de treino do Tróia Golfe, num quente fim de tarde de Agosto. "Estou a tentar que a bola passe do chão. Para lá da areia."
Gostava de ser jogador de golfe? "Se calhar... não sei. Gosto de estar aqui ao ar livre." Praticante "de futebol [Vitória de Setúbal] e piscina", o rapaz estreou-se no campo de golfe este ano, embora tenha em casa um "set, com um pequeno relvado e uns tacos", explica o pai, que veio até aqui de bicicleta com o filho. A conversa é interrompida. "Pai, passei dos 100 com uma tacada muito alta." O pai: "Boa!" O professor: "Este miúdo quase não falhou uma clínica."
O pai de Miguel já jogou golfe, agora não: "Venho aqui com ele. Gosto do espaço, de olhar para as árvores, mas praticar não me entusiasma." Justamente a pensar na dualidade de interesses entre criança e adulto, o Programa de Verão oferecia, em paralelo com as aulas para os miúdos, sessões de alongamentos e música de harpa e violoncelo, para "entreter" os pais enquanto os miúdos se concentravam nos buracos. Sempre ao entardecer. Para o ano, a fórmula deverá repetir-se.
É caro atravessar o Sado
"Aqui, consegui fazer uma coisa que nunca tinha sido feita. Ter uma escola de miúdos, o que não é fácil em Tróia. Ninguém vem de Setúbal para ter aulas aqui, porque há uma série de campos à volta da cidade e porque têm de atravessar o rio, e isso é caro", diz Vasco Espírito Santo, que gostava de combater essa dificuldade. (Ida e volta no catamaran custa 2,5 euros para crianças até aos dez anos e 5 euros para adultos.)
De onde vêm então os jogadores? "Temos miúdos que vêm ao fim-de-semana com os pais, porque têm casa perto: em Tróia ou Soltróia. E há dois que, onde quer que eu esteja, aparecem sempre: um de Montemor e outro de Grândola."
Pagam 30 euros por mês, têm aulas aos domingos (das 11h às 12h) e não precisam de trazer tacos. "O material é nosso. Se eu quiser fazer um torneio entre eles, nem pagam nada." O objectivo da escola "é ter miúdos a representar o Tróia Golfe no escalão mais jovem, os Benjamins, entre os seis e os 10/12 anos". Mas o que o professor gostava mesmo era de ter "uma escola com 50 miúdos". E que alguns sobressaíssem a nível nacional. "Para se chegar à qualidade, é preciso quantidade", diz.
Em conversa prévia com João Madeira, director-geral do Tróia Resort, o preço dos barcos já tinha sido debatido. O engenheiro disse que também preferia ter os preços do barco mais baixos, mas que não era possível para já. "Se vier mais gente, talvez possamos fazê-lo. A longo prazo."
João Madeira está ciente de que há equívocos criados em torno do Tróia Resort e acredita que se irão desfazer. São eles: "A ideia de que é tudo muito caro e de que a população de Setúbal não é bem-vinda." E contraria o "mito", como lhe chama: "Nós precisamos das pessoas de Setúbal. O supermercado, por exemplo, conta com uma grande percentagem de vendas à população da cidade." São pessoas que sempre frequentaram aquela praia e têm apartamentos nas bandas, indo para Tróia todos os fins-de-semana, durante todo o ano. "Admito que terá sido falha de comunicação da nossa parte. Temos de continuar a contrariar essa ideia."
Começar aos seis anos
Voltando à prática do golfe, assinala-se os seis anos como a idade ideal para começar, afirma ao PÚBLICO António Castelo também jogador. "Têm já alguma destreza física, noção de movimento. Antes disso, acaba por ser apenas para terem um contacto com a modalidade, mas não chegam a aprender."
O director do Tróia Golfe explica o processo de aprendizagem: "No início, só vão ao campo de treino. Batem bolas, têm um putting-green para treinar o efeito e uma zona para treinar os shots à volta do green." E tem a certeza de que os pequenos se divertem. Dá o exemplo do filho: "Tem nove anos, vem para o golfe desde os três. O que me interessa é que ele goste de vir. Não pela habilidade que tenha ou não."
Vasco Espírito Santo também aponta os seis anos como boa altura para iniciar os miúdos no golfe: "Antes, são muito brincalhões ainda. Há casos de miúdos 'mais adultos', que conseguem estar concentrados. No entanto, só aos seis é que têm a força necessária nos pulsos para poderem pegar num taco."
Golfe no meio das ovelhas
António Castelo, que se lembra de participar nos estágios em Tróia quando era jovem, diz que "a maior fábrica de produção de juniores é o golfe de Vilamoura", onde já trabalhou. "No Verão, tem 200 miúdos." Segue-se, "provavelmente", o Oporto Golf Club. Assegura que "90 por cento dos campos têm formação para crianças" e que "vai havendo uma adesão grande".
Diz Vasco Espírito Santo, genuinamente entusiasmado quando fala sobre golfe para crianças: "Assim que vejo uma porta aberta, tento explorar todas as possibilidades de trazer crianças para o golfe e desmistificar que é um desporto só para alguns, os eleitos... Estive dois anos a dar aulas no colégio St. Peter's School. Golfe no meio das ovelhas, com miúdos. Alguns deles já jogam aí, em torneios."
Há ano e meio, assim que começou a trabalhar em Tróia ("lugar onde há muitos anos nasci para o golfe"), teve uma reunião com o presidente da Câmara de Grândola, "para estudar a possibilidade de os miúdos virem aqui". No entanto, "mesmo com o campo à disposição, as coisas não avançaram".
Encolhe os ombros e logo discorre sobre mais "maravilhas" da modalidade: "O verde encanta os miúdos. Eles adoram isto. O fascínio de ver a bola cair no buraco. São componentes que os maravilham. Depois, cabe ao professor mantê-los interessados pelo jogo e estimular o lado competitivo. O que faz com que vão evoluindo. É o percurso natural." E reforça a importância do exercício da concentração: "Irá servir-lhes na vida escolar, profissional e enquanto seres humanos."
Haverá alguns que não têm jeito... arrisca o PÚBLICO: "Quase todos têm jeito. Nunca podemos precipitar-nos na avaliação. Já me aconteceu pensar, e guardo para mim, este miúdo vai ser complicado. Mas tem o direito de jogar golfe. Depois, tenho agradáveis surpresas. Há outros com um talento natural e que não vão a lado nenhum."
Pergunta-se-lhe se é uma actividade compensadora. "Então não é? Um miúdo chega aqui, não sabe o que é o golfe e, passado um mês, é vê-lo a bater a bola com um swing daqueles... Eu adoro ver os miúdos com aquele movimento."
Pede-se que defina o perfil de um jogador de golfe: "Tem de ser competitivo, sociável - gostar de estar com os outros, mas querer ser o melhor. Para se ir longe, tem de se querer ser o melhor. O que faz a diferença entre os bons e os melhores é o espírito aguerrido, de competição."
Quando começou, havia 4 mil federados, "agora, ao fim de quase 30 anos, há 14 mil, é muito pouco". E compara os números com Espanha: "Tem 300 e tal mil. Está bem que o país é maior, mas só Andaluzia tem 40 mil. E são 90 mil nos arredores de Madrid, li há pouco numa revista. Por isso é que Espanha é uma potência do golfe a nível mundial."
Sabendo que as crianças se identificam com ídolos do desporto e se animam com a mediatização de grandes eventos, Vasco Espírito Santo imagina o que seria haver uma iniciativa equivalente ao recente piquenique na Av. da Liberdade (Lisboa), mas com uma série de miúdos de taco na mão, a divulgar o golfe. "Era uma bomba", conclui, sempre sorridente.
Texto originalmente publicado na revista Pública de 28 de Agosto